Introdução
A ruptura espontânea de fórnices renais com extravasamento de urina é uma complicação pouco frequente em casos de obstrução ureteral . Essa condição ocorre, principalmente, secundária à ureterolitíase, porém já foram relatados casos associados a outras causas, como neoplasias do trato geniturinário, válvula de uretra posterior, fibrose retroperitoneal e gravidez. A retenção urinária aumenta a pressão no ureter proximal, que pode atingir níveis críticos entre 20 e 75 mmHg, resultando em ruptura dos fórnices renais – a estrutura mais frágil do sistema coletor renal, portanto mais suscetível. O diagnóstico desta complicação é difícil, pois suas manifestações podem ser facilmente confundidas com as da própria causa base, a qual geralmente é ureterolitíase, como dor em flanco de forte intensidade, além de sintomas gerais, como náuseas e vômitos.
Apresentação do Caso
Paciente de 32 anos, sexo feminino, procurou a emergência médica com dor em flanco direito com irradiação para a região lombar, associada a vômitos. Foi tratada com sintomáticos, recebendo alta em seguida. Permaneceu com esse quadro por cerca de 48 horas, quando retornou ao hospital e foi novamente tratada com sintomáticos. Após 3 dias, houve piora da dor e a paciente percebeu o surgimento de um abaulamento no flanco direito, o qual era muito doloroso à palpação e dificultava sua deambulação. Procurou novamente atendimento médico e, ao exame, apresentava-se febril (38,5 ºC), sem calafrios, além de apresentar dor intensa à palpação de flanco direito. Foi realizada ultrassonografia de vias urinárias que revelou hidronefrose à direita e presença de coleção circundando rim direito. A paciente foi internada e foi solicitada tomografia de abdome (Fig. 1, 2) que evidenciou hidronefrose e hidroureter à direita, associados a uma coleção com volume aproximado de 430 ml em flanco direito e cálculo de 7,0mm, localizado em ureter distal direito, distando cerca de 2,5cm da junção vésico-ureteral. Na fase tardia (1h depois), observou-se o preenchimento de grande parte da coleção pelo contraste. O diagnóstico radiológico revelava tratar-se de um urinoma por ruptura do fórnix devido a obstrução uretral. Os exames laboratoriais revelaram leucocitose (26.000/mm³) e elevação da proteína C reativa. Foi iniciada antibioticoterapia empírica após coleta de urina para exames e cultura.
A paciente foi submetida a ureterorenolitotripsia e colocação de duplo J sob raquianestesia, com melhora significativa do quadro álgico no pós-operatório. Um nova tomografia de abdome foi realizada após 48 horas da intervenção cirúrgica (Fig 3) e foi observado que a hidronefrose havia diminuído, a coleção apresentava volume equivalente a 300ml e o duplo jota estava bem posicionado. Não se observou mais extravasamento do contraste. Com a melhora clínica da paciente, optou-se por tratamento conservador do urinoma. Uma nova tomografia de controle (Fig.4) foi realizada 10 dias depois do procedimento, a qual evidenciou redução da coleção para 140 ml de volume aproximado. Nesse período, o leucograma apresentou queda para 16.000/mm³. A urinocultura não revelou crescimento bacteriano. A paciente evoluiu com melhora progressiva e recebeu alta assintomática, sendo acompanhada ambulatorialmente com o duplo J que foi retirado 6 semanas depois.
DISCUSSÃO
A coleção de urina no retroperitônio, com consequência de ruprtura espontânea do fórnix renal, é um evento incomum. Esta ruptura ocorre como resultado de obstrução do trato urinário sendo a causa mais comum a ureterolitíase. Tem sido descrita também, em paciente com vávula de uretra posterior, hiperplasia benigna da próstata, gravidez , obstrução da junção ureteropélvica, ligadura iatrogênica do ureter e tumor pélvico. Nessas situações, a elevação da pressão dentro do sistema urinário atinge valores entre 25 e 75mmHg e resulta na ruptura do fórnix. (2,3,4,6,7)
Clínicamente, esse quadro é suspeitado quando se observa mudança na sintomatologia. Da clássica cólica ureteral lombar do início a dor passar ser difusa, crescente. Associada a mudança no padrão da dor pode haver sinais de irritação peritonial, adoção de posição antálgica e febre alta. (1,2)
O diagnóstico é confirmado com auxilio de exames de imagem. A ultrasonografia é útil na avaliação inicial pois está mais acessível e pode revelar a presença de hidronefrose e coleção perirenal, assim como na avaliação seriada. Tem limitação para avaliar o ureter. Em pacientes grávidas é o exame de escolha.
A urografia excretora é uma exame com elevada sensibilidade e especificidade para diagnosticar essa condição. Porém pode aumentar o extravasamento devido o efeito diurético do meio de contraste. Hoje não é o exame de primeira escolha. (2)
A tomografia computadorizada, com ou sem contraste, é o exame não invasivo com melhor sensibilidade e especificidade em diagnosticar o extravasamento e o local da ruptura. Além disso, permite avaliar o abdome e pelve. (2,7)
O manuseio da ruptura do fórnice renal consiste na desobstrução do trato urinário e controle do extravasamento da urina. Devido a raridade dessa patologia, não existe recomendação padronizada para a sua condução. O tratamento conservador pode ser instituído em paciente pouco sintomático, sem febre e cálculo passível de eliminação espontânea com terapia médico expulsiva. Quando o caso não tem essas características, se introduz o tratamento invasivo. A colocação de um cateter duplo jota é forma de tratamento mais relatada na literatura. Porém, essa conduta pode acarretar um procedimento posterior nos casos de obstrução ureteral por cálculos. (2)
A uretererorrenolitotripsia é mais indicado nos quadros sem infecção, cálculos menores do que 1,0cm localizados no 1/3 médio ou inferior, mulheres e persistência ou aumento da coleção após observação de 24h.(2)
No presente caso, optou-se por tratamento invasivo com ureterorreno rígido, pois tratava-se de uma mulher, o cálculo tinha 0,7cm de diâmetro e estava localizado no ureter distal. O mesmo foi removido com um basket e em seguida introduziu-se um cateter duplo jota.
CONCLUSÃO
A ruptra do fórnice é um problema raro, mas que requer um diagnóstico precoce. O tratamento depende do quadro clínico do paciente. A ureterorrenolitotripsia é uma opção pois não aumenta a morbidade e resolve o problema em um único procedimento.
REFERÊNCIAS
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