Introdução
O rim em ferradura descrito pela primeira vez por DeCarpi em 1521, é uma anomalia de fusão renal encontrada em cerca de 0,25% da população. Das Neoplasias associadas o adenocarcinoma compreende cerca de 50% dos tumores que surgem no rim em ferradura1. Relatamos um caso de carcinoma Renal associado a doença cística no rim em ferradura.
Relato de Caso
Paciente masculino, 52 anos, portador de doença renal crônica (DRC) em terapia dialítica há 8 anos, em acompanhamento ambulatorial no Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Antonio Pedro (Huap), iniciou quadro de hematúria macroscópica, indolor e intermitente, com duração de cerca de 6 meses. Foi solicitada, para investigação da hematúria, uma tomografia computadorizada de abdome e pelve, que evidenciou rim em ferradura, com aspecto policístico e massa sólida heterogênea com calcificações periféricas, realçada por contraste, no terço superior do rim esquerdo, medindo 7.4 x 7.7 x 9.8 cm (LxAPxT)
Não havia dilatação pielocalicial ou hidronefrose. De acordo com a imagem obtida, sugestiva de neoplasia renal, o paciente foi encaminhado à cirurgia. A abordagem foi realizada a partir de uma incisão mediana. Após a devida identificação das estruturas, foram ligados ureter esquerdo, veia gonadal esquerda, artéria e veia renal esquerda. Foi seccionando o istmo, e realizada a nefrectomia radical com linfadenectomia para aórtica. A peça foi enviada ao Serviço de Anatomia Patológia do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP).
Conclusão Microscópica
Neoplasia renal não células claras, com características morfológicas de carcinoma associado a doença cística adquirida, medindo 9,5×9,5cm. Presença de extensa invasão vascular. A neoplasia infiltrava cápsula renal, a gordura perirrenal, a pelve renal, o seio renal e a suprarrenal. Margem ureteral livre. Presença de embolo na veia renal.Um linfonodo hilar comprometido pela neoplasia, entre 5 linfonodos isolados.
Estudo imuno-histoquímico que revelou positividade para AE1/AE3, CD10, CK7focal, Racemase, RCC e vimentina. Negativo para CD117, Melan-A, HMB45, configurando um carcinoma renal associado à doença renal policística.
Discussão
O rim em ferradura é a anomalia de fusão renal mais comum, com predileção pelo sexo masculino2,3. Geralmente assintomáticos e muitas vezes são descobertosincidentalmente durante o exame físico ou visto em estudos de imagem. Quando sintomáticos, estão associados com hidronefrose, infecção ou formação de cálculos2,4.
Walters e Braasch5 são geralmente citados como os primeiros a mencionar uma associação entre a doença renal policística e neoplasia renal,. A literatura sobre esta associação é escassa e amplamente povoada por relatos de casos simples6. Existem duas pequenas série de três casos cada7,8. A melhor aproximação de um estudo de base populacional da incidência de carcinoma renal em doença renal policística é um estudo de Hatano et al.9, que a partir de dados recolhidos 507 hospitais em 5721 doentes com carcinoma renal, doenças císticas renais foram identificados em 233 pacientes e 3 pacientes tinham doença policística renal.
A doença renal policística do adulto é uma doença hereditária caracterizada pelo acúmulo de cistos nos rins e outros órgãos. Deve ser considerado como uma doença sistémica, tendo como genes responsáveis (PKD1 no cromossoma 16 e PKD2 no cromossoma 4) são amplamente expressos em tecidos extra-renais e suas proteínas codificadas, policistina-1 e policistina-2, respectivamente, estão associados a produção de cistos, aneurismas cerebrais e da aorta, anormalidades valvulares cardíacas e divertículos do cólon, entre outras manifestações. Ela afeta todos os grupos étnicos em todo o mundo com incidências que variam de 1 em 500 a 1 em 5000 nascimentos. Cerca de 5% dos casos notificados podem ocorrer sem história familiar prévia e provavelmente representam nova mutação dando origem a um novo grupo, como provavelmente é o caso do paciente relatado aqui10.
A tomografia computadorizada com contraste é um exame de imagem essencial para o manejo dos casos e alguns autores mencionam, também, a necessidade de uma arteriografia pré operatória, devido a essa grande incidência de anomalias vasculares nos pacientes com rim em ferradura, que chega a 70% dos casos11 Essas alterações variam desde a presença de hematomas e abscessos peri renais até casos em que todo o rim depende da irrigação de vasos que atravessam o istmo, devendo, portanto, ser criteriosamente avaliadas antes da intervenção12.
O acesso operatório consiste na realização de uma incisão abdominal na linha média, seguida do cuidadoso reparo e ligação dos vasos que nutrem o lado acometido. O istmo deve ser seccionado e removido. Neste caso relatado encontramos a artéria mesentérica inferior cruzando o istmo anteriormente, variação mais frequente e que deve ser sempre abordada com cuidado evitando uma possivel lesão vascular.
A retirada do istmo permite a reorientação do ureter remanescente, que passará a seguir o curso normal, diminuindo, assim, a incidência de complicações decorrentes da estase urinária, e promove a liberaçãoda drenagem dos linfonodos para aórticos12.
Conclusão
Relatamos um caso raro de Carcinoma renal associado a doença cística, hemodialise crônica e ao Rim em Ferradura.
Referências
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