Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de BH – Serviço de Urologia da Santa Casa de Belo Horizonte.
Resumo
O cisto de Úraco é uma patologia de difícil diagnóstico, e normalmente diagnosticado incidentalmente. Sua principal complicação é infecção localizada, com dor periumbilical, porém pode causar também drenagem umbilical, piúria e até peritonite, a depender da localização de ruptura. Os exames de escolha para melhor avaliação e conduta nos casos de sintomatologia são a USG e TC. No caso de infecção do cisto uracal o tratamento de eleição é a exérese total do tecido anômalo com um segmento de bexiga, para evitar o risco de degeneração maligna. Os autores apresentam um caso clínico de um cisto de úraco infectado em uma mulher de 24 anos comquadro de infecção urinária de repetição e eliminação de secreção purulenta pela cicatriz umbilical e uma tomografia demonstrando uma atenuação do conteúdo do cisto infectado maior do que a da água.
Introdução
Embriologicamente o úraco está localizado entre o peritônio e fáscia transversalis. Estende-se desde a cúpula da bexiga até o umbigo. O úraco varia aproximadamente de 3 a 10 cm de comprimento e 8 a 10 mm de diâmetro. É constituído por três camadas: a mais interna é um canal de epitélio cubóide ou de transição; a intermediária é uma camada de tecido conjuntivo submucoso e a camada externa é constituída de músculo liso.(1)
O úraco é derivado em parte do alantóide e em parte da porção ventral da cloaca, ocorrendo o seu fechamento em torno do 4º e 5º mês de gestação, com a descida da bexiga para a pelve durante o desenvolvimento embrionário, tornando-se uma estrutura tubular fibrótica.(1,2)
Quando o processo de obliteração não ocorre surge uma das quatro seguintes situações: 1-úraco patente (persistência completa), em 15% dos casos; 2- cisto do úraco (vestígio de alantóide), em 36%; 3-seio externo do úraco (dilatação da extremidade superior), em 49%; 4-divertículo do úraco (seio interno cego), em 3-5%.(2)
Método
Foi realizada revisão bibliográfica sobre cisto de úraco nas bases de dados PubMed, LiLACS e SciELO com os seguintes termos: cisto, úraco, embriologia, anomalias, infecção. Foram selecionados e revisados os artigos de maior relevância correspondente ao período dos anos entre 2001 e 2013. Para a citação bibliográfica foi utilizado o software Endnote X4 for Mac.
Relato de caso
Trata-se de uma paciente com 24 anos de idade, com quadro de infecção urinária de repetição e eliminação de secreção ora purulenta ora clara pela cicatriz umbilical. Compareceu em nosso serviço, encaminhada pela unidade básica de saúde e ao exame do abdome detectamos dermatite amoniacal e odor de urina em suas vestimentas (Figura 1). Optamos por sua internação para propedêutica, tendo em vista limitações sociais e quadro clínico que já se arrastava por mais de 20 anos. A tomografia (Figura 2) sugeriu coleção compatível com abscesso no trajeto do úraco. Foi submetida à laparotomia exploradora para ressecção do cisto. Foram encontradas aderências firmes interalças e entre alças e a parede abdominal além do cisto. A ressecção do cisto (Figura 3) foi laboriosa e por lesão entérica e ressecção de segmentos intestinais foi necessário realizar uma colostomia. (Figura 4) Apesar de todo o exposto, a paciente evoluiu bem com alta no 5º DPO sem maiores complicações, apresentou apenas um discreto seroma que foi resolvido durante a internação. Em seguida foi encaminhada para o grupo de coloproctologia do nosso serviço e foi submetida a fechamento da colostomia e re-estabelecimento do trânsito intestinal. Atualmente faz acompanhamento ambulatorial em nosso serviço e encontra-se em bom estado geral e sem nenhuma complicação. O anátomo-patológico evidenciou cisto de úraco com presença de infiltrado inflamatório e não havia tecido de linhagem neoplásica. A cultura da secreção encontrada, evidenciou a presença de Staphylococcus aureus.
Discussão
As anomalias congênitas do úraco são raras, com uma incidência de 2:300.000 em crianças e 1:5000 em adultos(8). Os remanescentes do úraco podem representar um dilema diagnóstico e terapêutico, mas exigem maiores estudos pelos Urologistas.
O cisto forma-se quando o lúmen do úraco é preenchido e distendido por descamação epitelial e degeneração. Como existe frequentemente conexão com a bexiga, a infecção bacteriana pode ocorrer. Os cistos infectados são mais comuns no adulto sendo o organismo responsável mais frequente os Staphylococcus aureus. Esse pode drenar para a bexiga ou para o umbigo, ou intermitentemente para ambos os lados, de que resulta o chamado seio alternante.(1)
Os cistos são habitualmente assintomáticos(9), quando infectados manifestam-se através de sinais e sintomas inespecíficos, dificultando o diagnóstico. Os pacientes apresentam febre, dor hipogástrica, sintomas miccionais, massa abdominal palpável e evidências de ITU.(1)
As complicações do cisto de úraco infectado são: 1. Ruptura para os tecidos pré-peritoneais; 2. Ruptura para a cavidade peritoneal; 3. Envolvimento inflamatório do intestino adjacente (raro) e formação de fístula entérica.(1)
O diagnóstico é determinado através de métodos complementares, como ecografia, tomografia computadorizada ou cistoscopia.(10) A tomografia computadorizada serve para delinear melhor a extensão e a relação dos cistos com as estruturas vizinhas, dados importantes para o planejamento cirúrgico, desta forma, a tomografia torna-se um método indispensável não apenas no diagnóstico mas também no planejamento da operação.(2) A tomografia demonstra uma atenuação do conteúdo do cisto infectado maior do que a da água, como ficou evidenciado na paciente em questão.
O tratamento definitivo do cisto de úraco infectado implica a excisão cirúrgica completa do tecido anômalo e de uma pequena porção da parede vesical adjacente.(2) Esta excisão pode ser efetuada através de uma incisão transversa abaixo da região hipogástrica, ou de incisão mediana infraumbilical quando os ligamentos umbilicais e o peritônio estão aderentes e devem ser removidos com a lesão.(1)
Conclusão
O atraso do diagnóstico e tratamento do cisto de úraco infectado expõe os pacientes a riscos de sintomas recorrentes, complicações infecciosas e degeneração carcinomatosa. O diagnóstico tardio leva a procedimentos operatórios laboriosos e a ressecções amplas como no caso descrito. O tratamento é cirúrgico e os achados transoperatórios não devem ser subestimados, principalmente quando o tempo de evolução é prolongado.
Referências
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