RESUMO
Introdução: O câncer de pênis representa 2% dos tumores que acometem os homens, tendo maior incidência a partir da quinta década de vida. Má higiene íntima, fimose e falta de circuncisão são fatores de risco. A doença consiste em ulceração, ferida persistente ou tumoração no pênis. A detecção e tratamento precoce fazem essencial ao bom prognóstico. Relato de caso: paciente de 41 anos com tumoração em região inguinal esquerda, de evolução rápida com aumento e progressão da lesão. Discussão e conclusão: Há necessidade de estadiamento detalhado dos pacientes com linfonodos inguinais volumosos. Estes apresentam um prognóstico ruim e recomenda-se um tratamento multimodal com quimioterapia. O uso de quimioterapia neoadjuvante a base de Paclitaxel, Ifosfamida e Cisplatina representou aumento da sobrevida global em pacientes com linfonodos regionais.
Palavras-chave: câncer de pênis, linfonodomegalia, quimioterapia, TIP.
INTRODUÇÃO
O câncer de pênis é uma enfermidade rara que acomete predominantemente homens a partir da quinta década de vida. No entanto, jovens podem ser acometidos, visto que 22% dos casos são identificados em indivíduos com idade inferior a quarenta anos.1 De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), esse tipo de tumor representa 2% dos tumores que afetam a população masculina; entre os quais, cerca de 300-400 evoluem a óbito por ano, de acordo com dados estimados entre 2008 a 2018, sendo o Brasil uma das regiões com maior índice desta neoplasia.
Vários fatores de risco são associados, incluindo falta de circuncisão, fimose, obesidade, má higiene íntima, tabagismo e o uso de raios ultravioleta no tratamento de lesões cutâneas genitais. Fatores epidemiológicos/sociais precisam ser considerados, como, por exemplo, o estado civil solteiro e a baixa condição socioeconômica. 2
A doença manifesta-se geralmente com úlcera ou ferida persistente, tumoração na glande, prepúcio, corpo do pênis ou gânglios inguinais, alterações de cor ou textura da pele do pênis ou do prepúcio3. A detecção precoce do câncer faz-se primordial para um melhor prognóstico, uma vez que na fase inicial tem maior chance de cura; entretanto, de acordo com o INCA, mais da metade dos pacientes demoram até doze meses do início do aparecimento das manifestações cutâneas para procurar o serviço de saúde e essa realidade ocorre comumente devido ao constrangimento e estigma associado à doença2.
RELATO DO CASO
Paciente J.C.G., 41 anos, lavrador, casado, diabético, nega etilismo e tabagismo. Referiu aparecimento de tumoração em região inguinal esquerda em dezembro de 2019. Procurou atendimento no hospital da cidade de origem onde foi realizada uma drenagem devido suspeita de abscesso. A lesão evoluiu com rápido aumento e progressão, sendo referenciado para o Hospital do Câncer de Muriaé-MG em abril de 2020. Apresentava-se com massa linfonodal ulcerada e secretiva em região inguinal (Figura 1), além de uma massa palpável e secretiva em pênis.
Mediante suspeita de Carcinoma de Pênis, foi submetido a Penectomia Parcial. Realizou-se desbridamento de tecido necrosado e sutura hemostática da grande lesão metastática necrótica em região inguinal esquerda. O exame de congelação revelou carcinoma epidermoide de alto grau (G3) e margens livres. E o anatomopatológico da penectomia parcial evidenciou carcinoma epidermóide de pênis pT2Nx.
Após a amputação e desbridamento da região ulcerada, foi solicitada uma tomografia computadorizada (TC) de abdome/pelve para estadiamento, a qual revelou volumosa formação expansiva medindo 9,7 x 7,9 cm na região inguinal esquerda, linfonodomegalias inguinais bilaterais, medindo cerca de 2,3 cm. Os vasos femorais e ilíacos apresentavam-se pérvios e com plano de clivagem bem definido com a lesão (Figura 2).
Devido ao Linfonodo Fixo c(N3), o paciente foi submetido a quimioterapia neoadjuvante com esquema TIP (primeira escolha), sendo Paclitaxel: 175 mg/m² EV em 03 horas no D1, Cisplatina: 25 mg/m² EV D1 ao D3, Ifosfamida: 1200 mg/m² EV durante D1 ao D3 associado a Mesna: 400 mg/m² EV antes, 4 e 8 horas após Ifosfamida a cada 21 dias.
Após os cinco ciclos de quimioterapia, observou-se regressão importante da lesão inguinal (Figura 3). A TC de abdome/pelve, para controle, apresentou significativa regressão dimensional do volumoso conglomerado linfonodal na região inguinal esquerda associado a pequeno componente ulcerado cutâneo em região central, medindo cerca de 4,6 x 2,2 cm (Figura 4). Houve regressão numérica dos linfonodos, também daqueles junto aos vasos ilíacos externos ipsilaterais. A TC de tórax não revelou alterações.
Em outubro, realizou-se uma linfadenectomia pélvica e inguinal bilateral. Com o intuito de proteção dos vasos femorais realização a cobertura dos mesmos com o músculo Sartório. Concomitantemente, realizou-se uma rotação de retalho (Figura 5) por consequência da falta de tecido ocasionada pela retirada da área necrosada em decorrência da quimioterapia neoadjuvante (Figura 5).
O paciente recebeu alta no quarto dia de pós-operatório, com as feridas sem sinais de deiscências (Figura 6).
Retornou ao ambulatório com 30 dias após a cirurgia, apresentando boa evolução. Sem sinais de recidiva ao exame clínico, laudo histopatológico da resseção do sítio do linfonodo fixo e das linfadenectomias inguinais e pélvicas. Observado no sítio do linfonodo inguinal um hemangioma inflamatório e nos demais linfonodos, hiperplasia linfoide reacional; bem como, foram solicitados exames de seguimento (tomografia de abdômen/pelve, raio-x de tórax e laboratório) para retorno em 3 meses. O mesmo retornou assintomático, sem queixas e exames sem sinais de recorrência.
DISCUSSÃO
Pacientes com linfonodos inguinais volumosos, às vezes ulcerados e fixos, requerem estadiamento por TC de tórax, abdômen e pelve, com o intuito de avaliar a cadeia pélvica e progressão sistêmica. Em casos clinicamente inequívocos, a verificação histológica não é necessária.
Esses pacientes têm um prognóstico ruim. O tratamento multimodal com quimioterapia em respondedores é recomendado4. Foi relatado que os respondedores à quimioterapia neoadjuvante com cirurgia após a quimioterapia alcançaram sobrevida de longo prazo em 37% dos casos. Estudos recentes confirmam este benefício para o paciente5.
Com base em experiências bem sucedidas e já consolidadas no uso de Paclitaxel, Ifosfamida e quimioterapia à base de Cisplatina (TIP) como parte do tratamento do câncer de pênis, citando caso análogo no estudo do grupo de Kubota et al6, encontramos um resposta dramática após o uso do esquema TIP neoadjuvante para linfonodo inguinal fixo. Tal neoplasia consiste em uma doença agressiva, na qual o sucesso para o manejo local da lesão só poderia ser alcançado durante os estágios iniciais. O desenredo do manejo dessa doença, com metástases regionais e sistêmicas, ainda é um desafio para os urologistas. Em situações em que existem metástases em linfonodos regionais, a administração de quimioterapia combinada com tratamento cirúrgico agressivo pode ser eficaz, embora a taxa de recorrência e progressão ainda permaneçam elevadas. Nos casos em que foi encontrada metástase sistêmica, a quimioterapia torna-se a única opção de tratamento 7.
A administração de quimioterapia para essa patologia peniana com metástases em linfonodos é bastante comum. Tanto a quimioterapia adjuvante quanto a neoadjuvante podem aumentar a sobrevida global8,9. Na pesquisa de Pagliaro, foram encontrados três pacientes com resposta completa e doze pacientes apresentando resposta parcial do total de 30 pacientes; 13,6% de todos os pacientes apresentando uma resposta patológica completa5. Outras pesquisas que usaram uma combinação à base de Taxano como quimioterapia neoadjuvante nesse tipo de câncer, em estágio avançado, resultaram em 60% dos pacientes responsivos, com 4% mostrando resposta patológica completa 10. Zou B et al. relataram que a combinação TIP foi eficaz para câncer de pênis com envolvimento de nódulos linfáticos11.
CONCLUSÃO
Assim sendo, relatamos um caso de resposta notável ao uso da quimioterapia neoadjuvante a base de Paclitaxel, Ifosfamida e Cisplatina no tratamento do câncer de pênis, apresentando possibilidade de resseção completa da massa linfodonodal e com isso gerando uma melhora na sobrevida global de pacientes com envolvimento de linfonodos regionais.
FIGURA 1
Região inguinal com massa linfonodal ulcerada (seta preta), lesão satélite (seta verde).

FIGURA 2
Tomografia computadorizada de abdome/pelve pré quimioterapia neoadjuvante. Com Linfonodo Inguinal fixo (seta azul).

FIGURA 3
Aspecto da massa em região inguinal esquerda após 5 ciclos de quimioterapia neoadjuvante (seta vermelha)

FIGURA 4
Tomografia computadorizada de abdome/pelve após quimioterapia neoadjuvante, apresentando regressão da massa (seta branca).

FIGURA 5
Rotação com fixação do músculo Sartório no ligamento inguinal (seta amarela), Confecção de retalho (seta vermelha).

FIGURA 6
Aspecto no quarto dia de pós-operatório.
