Introdução
Pielite Enfisematosa (PE) é uma infecção renal caracterizada pela formação de gás no sistema de coletor renal (1). Embora o urotélio possa ser primariamente envolvido, o gás é geralmente secundário à coexistência de infecções bacterianas do rim ou da bexiga, com Escherichia coli sendo a bactéria mais comumente encontrada nas culturas. PE é mais comumente encontrada em mulheres e frequentemente está associada com diabetes mellitus ou doença calculosa obstrutiva, e carrega uma taxa de mortalidade de até 20% (2). Os sintomas mais frequentes da PE são febre, náuseas, vômitos, dor abdominal, choque, letargia e confusão (1;3). Atualmente o melhor método de imagem para diagnóstico é a tomografia computadorizada (TC), ela melhor delineia gás dentro do sistema coletor, ajuda a identificar com segurança cálculos ureterais e ainda ajuda a excluir formas complicadas de pielite enfisematosa, tais como a presença de abscessos perirrenais ou pielonefrite enfisematosa (1;2). Neste relato de caso apresentamos um paciente com quadro de Pielite Enfisematosa, associada à calculose em pelve renal.
Relato de Caso
Paciente sexo feminino, 54 anos, portadora de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus tipo 2, ambas com controle medicamentoso, procurou serviço de urgência com quadro de dor tipo cólica em região lombar à esquerda, com 07 dias de evolução, associada a vômitos, febre e calafrios. Informou episódios anteriores de dor semelhante em mesma região, porém de menor intensidade. Relatou diagnóstico prévio de nefrolitíase.
À admissão apresentava-se desidratada, hipocorada, eucárdica, eupneica, abdome normotenso e doloroso em flanco esquerdo, com sinal de Giordano positivo à esquerda.
Foi realizada, após admissão, revisão laboratorial que evidenciou hemoglobina 11,5 g/dl, global de leucócitos 10.100/mm3, plaquetas 269.000/mm3, proteína C reativa quantitativa 349,1 mg/L, creatinina 1,07 mg/dL, ureia 30 mg/dL, K+ 4,0 meq/L, gram de urina presença de numerosos bastonetes gram negativos; urina rotina: piúria, hematúria e nitrito positivo.
Na urocultura: Escherichia coli, cepa produtora de beta-lactamase de espectro ampliado – ESBL (> 100.000 UFC/ml). A hemocultura não evidenciou crescimento bacteriano após cinco dias de incubação.
Foi realizada ainda TC de abdome total, no qual foi observado aumento das dimensões renais à esquerda e parênquima com contrastação heterogênea, sem evidências de coleções focais/abscessos. Observado cálculo em topografia de pelve renal esquerda, medindo cerca de 12 mm (densidade em torno de 1500 UH), evidenciando-se gás no seu entorno, além de outros focos gasosos esparsos no sistema coletor associado ainda, a espessamento urotelial piélico e uretral proximal, observou-se também cálculo calicinal não obstrutivo em terço superior, medindo 6 mm.
O rim direito apresentou-se com múltiplas áreas de retração cortical, correspondendo a prováveis sequelas de processos inflamatórios/infecciosos e ainda cálculos calicinais não obstrutivos nos terços renais superior e inferior. Os demais órgãos mostraram-se inalterados, porém a presença dos focos gasosos no sistema coletor esquerdo configura pielite enfisematosa.
O tratamento instituído, via intravenosa, foi antibioticoterapia com ceftriaxona (1g) e medicamentos sintomáticos. Paciente evoluiu com melhora clínica progressiva, porém ao quarto dia de internação apresentou novos episódios de vômitos, dor em dorso esquerdo e hipoglicemia. Sugerido nova TC de abdome total, onde se observou permanência dos achados de pielonefrite aguda, associada à nefromegalia e nefrolitíase infectada e focos gasosos, porém o cálculo visto em TC anterior encontrava impactado em pelve renal esquerda.
Após novo exame optou-se por colocação endoscópica de cateter duplo j à esquerda e manutenção da antibioticoterapia. Ao oitavo dia de internação, estando a paciente clinicamente estável, assintomática e com melhora laboratorial, recebeu alta hospitalar. Foi prescrito manutenção do tratamento antimicrobiano com nitrofurantoína (guiada pelo antibiograma) por mais 14 dias, por via oral e sintomáticos em caso de dor.
Discussão
Enfisema renal se refere à formação de gás dentro do parênquima ou em tecidos envolta e pode ser classificado em duas entidades raras: Pielonefrite enfisematosa (PNE) e pielite enfisematosa (PE) (4). Na PE o gás é limitado ao sistema pielocalicinal, enquanto em PNE, o gás amplia ainda mais para o parênquima renal, tecidos perirenais e retroperitônio (5).
Em 50% dos casos a PE está associada a diabetes mellitus, e além disso é mais comumente encontrado em pacientes do sexo feminino e na maioria dos casos acompanhada de calculose renal ou ureteral, o que pode ser confirmado em nosso relato de caso (2;5;6). PE é normalmente causada por bactérias gram negativas, e a Escherichia coli é o organismo mais comumente isolado, com frequência de 50% a 75%. Os outros organismos causadores são Proteus mirabilis, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter aerogenes, Staphylococcus coagulase negativa, germes anaeróbios e Candida (1;3;5;7;8). O resultado da urocultura encontrado neste caso foi de Escherichia coli cepa produtora de beta-lactamase de espectro ampliado – ESBL, o que reflete os resultados encontrados em outros estudos. O exame físico é inespecífico e são os mesmos encontrados em um paciente com pielonefrite aguda, onde a dor lombar associada à febre, náuseas e vômitos são os mais comumente encontrados. Por muitas vezes por se tratar de um paciente portador de diabetes mellitus, os sintomas se iniciam mais atenuados, fazendo com que o paciente se apresente ao pronto atendimento com 7 a 20 dias de evolução, com um pior estado geral e diabetes descompensada (3;5;8). A uranálise apresenta-se frequentemente com piúria e o hemograma apresenta um global de leucócitos acima de 10.000/mm³ ou uma leucopenia abaixo de 4.000mm³ (8). O paciente deste caso se apresentou com quadro de dor tipo cólica em região lombar à esquerda, com 07 dias de evolução, associada a vômitos, febre, calafrios, desidratada, hipocorada, com global de leucócitos de 10.100/mm3 e urina rotina demonstrando piúria.
O diagnóstico de PE é realizado somente por exames de imagem, revelando bolhas de gás no trato urinário superior, porém esse sinal apesar de muito específico, não é patognomônico. Radiografia de abdominal pode mostrar imagem de gás em loja renal, porém devido a sua baixa sensibilidade, torna-se inútil para o diagnóstico e acompanhamento. O Ultrassom (US) pode confundir o examinador, pois pode falsear bolhas gasosas como cálculos. No entanto a sombra posterior produzida pelo gás é “suja” ao contrário da sombra posterior dos cálculos que é “limpa”. O US ainda tem um interesse no diagnóstico positivo e etiológico da obstrução do trato urinário (3;6;8). A TC é o principal exame para o diagnóstico e acompanhamento da PE, pois demonstra, com excelente sensibilidade, a presença de gás limitada ao sistema coletor e além disso avalia a presença de cálculos, grau de gravidade da infecção e exclui coleções no parênquima renal e no tecido perirenal (3;8).
O tratamento da PE baseia-se em administração de antibióticos, tratamento da causa da obstrução, drenagem do sistema coletor e equilíbrio do diabetes. Os antibióticos devem ser administrados por via intravenosa e eficazes contra bacilos gram negativos. A antibioticoterapia deve ser adaptada de acordo com os resultados da urocultura. O sistema coletor deve ser drenado com colocação de cateter duplo j ou nefrostomia percutânea guiada por TC ou US (8). Em nosso caso, o tratamento realizado foi com antibioticoterapia (Ceftriaxona) e drenagem do sistema coletor com cateter duplo J. Após o resultado da urocultura o antibiótico foi adaptado.
Em conclusão, destaca-se a importância dos fatores de risco como diabetes e obstrução do sistema coletor para a ocorrência da PE e além disso afirma a prevalência do micro-organismo (Escherichia coli) como mais frequente causador desta patologia. Destaca-se ainda que, em conformidade com a literatura, a TC mostrou-se como método de escolha para diagnóstico e acompanhamento, e que com o uso de antibioticoterapia adequada e drenagem eficaz do sistema coletor, o prognóstico da PE permanece favorável.
Referências
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