INTRODUÇÃO
O nefroblastoma são tumores renais também conhecidos pelo epônimo Tumor de Wilms (TW) em homenagem ao médico alemão Max Wilms. Este profissional apresentava profundo conhecimento em patologia e embriologia e ajudou na descrição da doença e no desenvolvimento de tratamentos1.
O tumor de Wilms ou nefroblastoma é o tumor maligno mais comum do trato geniturinário na infância. É dito extra-renal quando ambos os rins são normais e o tumor encontrado não está relacionado a eles, porém há uma semelhança morfológica com nefroblastoma renal2.
Sua apresentação geralmente é unilateral, mas em 5% a 10% dos pacientes apresenta-se bilateralmente, e os rins podem ser afetados sincronicamente ou assincronicamente. Casos extra-renais são raros e difícil diagnóstico sendo necessário a associação de métodos de imagem, os achados cirúrgicos e anatomopatológicos3,4.
A pesquisa na literatura utilizando UpToDate, Medline, Pubmed e Google acadêmico revelaram não menos que 100 casos documentados até a presente data, descritos sob forma de relato de caso.
O estudo relata um caso de Tumor de Wilms extra-renal de um menino de cinco anos de idade encaminhado ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, negro, previamente hígido deu entrada no pronto socorro infantil do nosso serviço com história de tumoração em região inguinal direita, dolorosa a deambulação e palpação há cerca de 20 dias, de aumento progressivo e acompanhado de febre intermitente, não ultrapassando temperaturas de 38ºC que remitia com antitérmico comum. A acompanhante nega perda de peso nesse período. Nega alterações gastrointestinais e urinárias.
Ao exame físico paciente encontrava-se em bom estado geral, orientado, corado, hidratado, afebril, linfonodos palpáveis em cervical posterior e submandibular bilateral de consistência elástica, móvel, indolor e menores de 1cm, sem alterações cardiopulmonares e abdome plano, flácido, com massa palpável em região inguinal direita de 6 por 4 cm, dura, fixa, imóvel e dolorosa, sem sinais flogísticos.
Paciente realizou exames de bioquímica, todos dentro da normalidade, sorologias para citomegalovírus, toxoplasmose, rubéola, hepatite B e C, sífilis, HIV, HTLV e mononucleose, todas dentro da normalidade. Além disso, realizou exames de imagem, com radiografia de tórax e abdome total dentro da normalidade, a ultrassonografia de abdome total evidenciou lesão expansiva em fossa ilíaca direita, adjacente aos vasos ilíacos, de limites bem definidos, medindo 6,0 x 2,8 x 2,3; e a tomografia computadorizada de abdome total mostrou massa sólida de limites definidos, extraperitoneal, com densidade de partes moles e de forma homogênea por meio de contraste, localizada na região inguinal direita em contiguidade com o músculo reto abdominal, que desloca as estruturas adjacentes sem invadi-las (figura 1 e figura 2 ).
FIGURA 1
Visualizado em região inguinal direita massa hipoecoica lobulada, circunscrita

Fonte: Arquivo Pessoal.
FIGURA 2
Massa extraperitoneal em região inguinal a direita.

Fonte: Arquivo Pessoal.
Com isso, foi indicada a punção aspirativa por agulha fina que evidenciou neoplasia maligna pouco diferenciada de pequenas células redondas e azuis.
Dessa forma, paciente foi submetido ao procedimento cirúrgico para ressecção da massa, primeiramente encaminhado à biópsia por congelação, e posteriormente ao anatomopatológico, que evidenciou amostra compatível com nefroblastoma. Foi realizado também o estudo imuno-histoquímico que concluiu que a lesão em região inguinal direita é consistente com nefroblastoma, pois identificaram componentes blastematoso (células ovoides imaturas), estromal e epitelióide (células colunares) interpostos, além disso, houve expressão para citoceratina no componente epiteliode, alem de positividade difusa para PAX8 e WT-1.
DISCUSSÃO
O nefroblastoma extra-renal é entidade maligna e rara, na qual o diagnóstico geralmente é feito após procedimento cirúrgico e avaliação anatomopatológica3,4. Pode ocorrer no retroperitônio, útero e anexos, pele, canal inguinal, testículos, epidídimo, região sacrococcígea e lombossacral, cordão espermático, mediastino e inclusive a parede torácica5.
Assim como no nefroblastoma renal, a forma extra-renal acomete pacientes na faixa etária de 12 a 48 meses, com média de idade para diagnóstico aos 36 meses6. Mais frequentemente acomete o sexo masculino, sendo a proporção meninos: meninas de 56:447.
A fisiopatologia precisa que explique o nefroblastoma extra-renal não está bem estabelecida, porém algumas teorias tentam elucidar. A primeira atribui a origem do tumor a remanescentes metanéfricos ou mesonéfricos extra-renais. Uma outra hipótese considera a desdiferenciação de células diferenciadas e a persistência de células com potencial embriológico3,5. Outros autores justificam a origem a partir do mesoderma primitivo ou indiferenciado, explicando as diversas localizações extra-abdominais, e a proximidade da crista urogenital com o mesonefro durante o desenvolvimento embrionário justifica a ocorrência próximo ao cordão espermático, e ao útero e anexos5.
A apresentação clínica é inespecífica, depende do local de origem do tumor. Geralmente, apresenta-se como massa palpável em abdome indolor em paciente previamente hígido, o que se assemelha a clínica de Tumor de Wilms intrarrenal, sendo assim, difícil diagnóstico pelo quadro clínico. Todavia, quando a apresentação do tumor é em colo uterino, útero, vagina, canal inguinal, escroto e mediastino a manifestação clínica varia8. Suspeita-se de nefroblastoma retroperitoneal quando há distensão ou massa abdominal evidente, enquanto o de origem inguinal é detectado em estágios mais precoces na maioria das vezes. Metástases para locais como pulmão, mediastino, parede torácica, ovários, vagina e escroto já foram relatadas9,10.
O diagnóstico de tumor Wilms extrarrenal é quase que exclusivamente feito após ressecção do tumor e avaliação patológica. Segundo National Wilms Tumor Study, o diagnóstico é realizado cumprindo-se três critérios. Inicialmente, deve se excluir tumor Wilms intrarrenal, metástases e rim supranumerário. Secundariamente, avaliar padrão histológico trifásico com os componentes blastematoso, estromal e epitelial. E finalmente excluir evidência de teratoma ou carcionoma renal3.
O diagnóstico de nefroblastoma e a avaliação de extensão da doença são realizados utilizando-se exames de imagem e biópsia para confirmação histológica quando indicados. Os exames de imagem permitem definir a extensão local do tumor e identificar a presença de lesões metastáticas. O estudo radiológico inicial geralmente utilizado é a ultrassonografia abdominal, que permite definir se a massa é sólida ou cística, estabelecer a origem renal do tumor, avaliar a patência da veia cava inferior e a extensão local do tumor. A tomografia computadorizada de abdome total as informações obtidas pela ecografia e fornece informações mais detalhadas sobre a natureza e a extensão da massa, podendo identificar mais precisamente o envolvimento de estruturas adjacentes, como fígado, baço, cólon e o rim contra-lateral11. O exame angiográfico do tumor de Wilms extrarrenal apresenta aspectos semelhantes ao do tumor intrarrenal com aparência de “spider leg” e “creeping vine”4.
O diagnóstico histológico no tumor de Wilms não é a recomendação atual em todos os casos, considerando-se que existem evidências de que a realização da biópsia a céu aberto apresenta risco de contaminação local. De acordo com o atual protocolo do Children’s Oncology Group, a biópsia somente deve ser realizada quando o tumor é irressecável e nos casos de tumores bilaterais12.
Além disso, recomenda-se biópsia intraoperatório antes da nefrectomia para doenças no estágio III (tumor residual macro ou microscopicamente, incluindo tumor inoperável, margens cirúrgicas positivas, disseminação tumoral envolvendo superfícies peritoneais, metástases para linfonodos regionais ou presença trombo tumoral na ressecção. Biópsia do tumor antes da ressecção cirúrgica) de acordo com os estudos Children’s Oncology Group (COG), National Wilms Tumor Study Group (NWTS) e Societe Internationale d’Oncologie Pediatrique (SIOP). A biópsia por punção aspirativa por agulha fina não é necessária para o estágio III de acordo com NWTS e SIOP, mas é considerada pelo atual estadiamento COG13,14.
Atualmente, o manejo do tratamento do nefroblastoma extrarrenal é o mesmo que o intrarrenal, geralmente é realizado a ressecção cirúrgica associada a radioterapia e/ou quimioterapia no pós-operatório9,3,15. A recorrência desta neoplasia já foi descrita9. Um estudo, de Coppes et al., estimou uma sobrevida de 82% em dois anos10.
CONCLUSÃO
O nefroblastoma extra-renal é uma patologia rara e maligna, descrita na literatura principalmente sob forma de relato de caso. Ocorrer em diversas localizações, sendo mais comuns no canal inguinal e retroperitoneal. A fisiopatologia exata da doença ainda não está bem estabelecida sendo postuladas algumas teorias. Conclui-se então, que o diagnóstico deve ser feito na correlação dos achados clínicos, radiológicos, cirúrgicos e com o estudo anatomopatológico e manejo do tratamento do nefroblastoma extrarrenal é o mesmo que o intrarrenal.